ESPECIAL DE DOMINGO

"A filosofia como horizonte e fonte reflexiva frente ao Covid-19", por Claudinei Pereira

Uma reflexão filosófica de um conterrâneo pirapemense.
Por: PORTAL JG
Data de publicação: 17/05/2020 11h53

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Claudinei Pereira, Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal do Espírito Santo – UFES - 17/05/2020

Claudinei Pereira

Mesmo que venhamos a especular sobre o sentido e consequências frente à pandemia atual, podemos cair em visões equivocadas, no senso comum, na superficialidade. Todavia, essa não é minha intenção, pretendo, portanto, fazer uma provocação, como é próprio do caráter filosófico. Então, quem tiver ouvidos para ouvir, ouça o que dizem os espíritos livres!

Todo conhecimento apresenta um peso de importância no jogo contínuo em que vivemos, mas, em especial, o que a filosofia poderia nos proporcionar como fonte de horizonte e reflexão para os indivíduos (talvez) aflitos, angustiados, desorientados, desconsiderados pelos sistemas econômico, financeiro, político-social? Mais do que nunca, a filosofia pode-se fazer imprescindível neste cenário atual. Como dizia o escritor Leonardo Boff, “toda crise não é caótica, mas ‘crisola’, isto é, gera sentido”.  

Muitos foram os intelectuais que teorizaram com o objetivo de nos fornecer um norte, um sentido ou até mesmo gerar uma reflexão diante da pandemia do COVID-19. Assim, podemos citar alguns exemplos: Slavoj Zizek traçou ideias através do “Coronavírus, racismo e histeria”, “Bem-vindo ao deserto viral! Coronavírus e a reinvenção do comunismo”; já Byung-Chul Han através de “O coronavírus de hoje e o mundo de amanhã”; Noam Chomsky também escrevera: “Não podemos deixar a Covid-19 nos levar ao autoritarismo”, dentre muitos outros nomes.

Suas posições, em certa medida, são válidas, mas cada posição, cada visão futurística nada mais é que “hipóteses”, “murmurações”, diante de um horizonte improvável. O que ouso deixar como reflexão e objeto de provocação são as seguintes indagações: qual o real papel da sociedade mundial frente à pandemia? Para que sejamos colocados no jogo da responsabilidade, “qual é, realmente, o nosso papel?” Eu, Você e todos nós? Será que devemos deixar nas mãos do “insignificante” vírus nossa mudança de vida? Será que ele deve ser o principal responsável pela nossa solidariedade, nossa responsabilidade com o outro e conosco? 

Bom, se deixarmos nas “mãos do vírus” a revolução ética e moral, a revolução espiritual, política e social, a revolução de nossa amorosidade e de visão crítica dos fatos, de nosso encargo com a natureza, infelizmente, só este vírus não será suficiente. A filosofia em sua physis (natureza) nos ensina que esta não surge quando estamos convergentes e em encontro com si próprio e com o mundo, mas, sim, no momento auge das perdas, da solidão, no confronto dos nossos próprios infernos. Dessa forma, surgem novos questionamentos frente à pandemia: quais são os nossos infernos? Quais são os nossos limites? 

O filósofo alemão Friedrich Nietzsche já nos alertou, de modo até provocativo em sua obra Assim falou Zaratustra: “Deus também tem seus infernos: é seu amor aos homens”. O que significa isso? Significa que Deus de certo modo vive a sua mais dramática experiência enquanto Deus: A liberdade aos homens.  A liberdade dada pelos deuses nos possibilita a fraternidade, o amor, o respeito, a compaixão, mas em constante paralelo também possibilita a irresponsabilidade, a indiferença, a desonestidade humana e intelectual, ao suicídio de nós mesmos enquanto seres viventes. 

Por fim, o que pode nos dizer a filosofia em tempos de pandemia? A meu ver, que nós somos seres finitos, frágeis e medrosos, mas ao mesmo tempo nos mostra a capacidade reflexiva para a cooperatividade, a responsabilidade e o amor. Somos seres efêmeros, mas também almejamos o infinito, a eternidade. Por isso, não são apenas 10, 12 ou 15 mil mortos, incontáveis números até então de brasileiros, mas são vidas que devem ser consideradas por todos nós, inclusive pelas autoridades governamentais. Não é por acaso que o princípio do Evangelho nos ensina: “Eu vim para que tenham vida, e vida em abundância”. Portanto, cabe à filosofia provocar os leitores, desde os mais principiantes aos mais arcaicos, a repensarem sobre a vida, sobre o país e sobre a terra. O isolamento é desafiador, todavia, pode ser o melhor momento para escutar não aos outros, mas a nós mesmos. Quem tem ouvido para ouvir, ouça os que dizem os espíritos livre! 





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